Seríamos uma camiseta verde-amarela-surrada
achada na naftalina da memória da casa da mãe?
Ou velhas tabelinhas, de farmácias que fecharam e candidatos que morreram,
rabiscadas com letra de criança desatenta que marcou errado o resultado do jogo
e voltou atrás sem cuidado, com a borracha eterna da caneta borrando?
Seríamos a bola detonada pelo cachorro,
ainda conservando o gomo apagado com a bandeira da Escócia?
Ou o cabo cinza plástico da bandeira fina
que acabou servindo de gambiarra
num conserto esquecido do que era pra amanhã sem falta?
.
Nossas copas na memória:
de Pelés a Felipes Melos,
onde tudo é lembrança: se Baggio ou Paolo Rossi.
Mas também outras memórias,
como o cabelo de Cannigia ventando naquela festa junina da escola
como a foto com o bebê no colo (as copas passam e trazem barba ao bebê)
como o carro com adesivos que você trocou em 87
como a rua derretendo com a chuva de janeiro o que foi julho do ano passado
como o gol marcado na rua, emulando um Lato, um Suker, um Schillaci da vida.
.
Nossas copas,
lembrando que a foto que está ao lado da HD-TV de hoje
um dia brigou com toda a família e nem viu o jogo
porque dizia que o problema era na antena e ninguém acreditou
aquela velha TV de válvula que demorava pra esquentar
e hoje é morte e memória.
.
Nossas copas:
a garota com sua corneta desafinada
(supostamente era pra estarmos do mesmo lado, pensava a vizinhança-enxaqueca)
torcia com seu pai.
Quais títulos se ganhava naquela sala?
Muito mais que seu técnico-herói em campo
(talvez fosse o herói de seu time…):
jogavam esse eterno que chamamos memória.
.
Nossas copas:
o cara que pela primeira vez
esteve sem ninguém pra torcer ao seu lado,
na casa adulterada pelo absurdo,
invadida pelo pra sempre.
.
Nossas copas:
a primeira vez que ouvimos um palavrão da boca dela.
a primeira vez que jurei.
.
A memória coletiva constrói as fotos de exposição
e os manuais das copas,
com números e verdades verdadeiras.
.
Nossas fotos não importam muito pros outros.
Mostramos e vemos, por educação.
É em nossos campos
que fazemos o espetáculo:
quando todos vão embora
e o estádio está apagado.
Quando olhamos pra tudo vazio-cheio
e isso vira
nossas Copas.