Sobre Michael Jackson

De Michael Jackson se diz que foi revolução.

Quebrou a música em duas – não só com gols,

mas instaurando uma nova forma de negociar

seus álbuns e camisas.

.

Ficarão para a história seus passos

de arrancada:

moonwalker que escorrega zagueiros pelo caminho.

.

Certo que escândalos: sempre

prontos a se pendurar pela canela

numa sacada de hotel.

.

Certo que superações: operar cada

menisco metafórico

da pele.

.

Certo que exemplar:

deixar um são cristovão de abusos

e virar constelação.

.

Michael saiu daqui pro sempre.

.

Não tenho discos de Michael Jackson em casa.

rivaldistas x ronaldistas

Na escola, éramos todos dualistas:

socialistas x capitalistas

Martina Hingistas x Ana Kournikovistas

rockistas x pagodistas

aquela-mina-do-primeiristas x a-loira-que-debruça-no-balcão-da-cantinistas

rivaldistas x ronaldistas

.

Veio o tempo e a madureza:

Sharapova.

.

Mas tivemos rivaldistas e ronaldistas.

Juntos, mas diferentes.

Tem os que viram poesia na perna aberta de laser que perfura-lógica.

Outros, no pé de diamante que fulmina-khan.

.

Vieram as fotos:

lebre em arrancada para as estrelas x tartaruga que se traumatiza de paparazis

.

Veio o tempo e a ferrugem:

esclerosou o motor de arranque,

e desfez cada dialética das engrenagens –

de um.

.

Do outro,

fez bebida nobre.

.

Eis que agora vos digo, amigos:

Chupa, ronaldista!

Palavras e muros

A gente vive da palavra.

Ela superbonder a realidade,

refaz o barranco desbarrancado

simplesmente quando rebarrancamos o ranco.

.

A palavra inaugura mundos simbólicos:

onde se ganha jogo com nomes na frente e atrás das camisas –

e é o bastante para pedir truco hoje

aquela carta feita de currículo de antigamente.

.

A palavra vai corroer a tinta mais superficial do muro.

Mas é a mesma palavra que levantará mais umas três fiadas de tijolo no muro.

.

E assim: muro mais alto,

mais espaço para palavras.

Como os espaços nas camisas –

enchendo de palavras

o vácuo do futebol.

Pós-modernismo

O George Foreman Grill refez a nossa idéia de grelhar linguiça.

Há em cada banco um ideal parceiro na construção d’um mundo melhor.

Garrincha é meio Neymar.

.

A mudez e o coletor de gordura:

um torto e romântico,

outro, colesterol de régua.

.

Com réguas e ângulos corretos,

motosserra se vende de beija-flor.

Unificação

Nunca unificarão os interesses:

um quererá aquilo, outro onde, um dois, quem enquanto.

A história sendo controle remoto universal:

liga a TV dos que apagam a memória,

desliga a dos que querem manter escrito –

processo incoerente de afirmar

(mais uma vez)

a desunificação das coerências.

.

Os times abrem licitação pra construção das novas estrelas,

os torcedores apertam as sílabas nos seus gritos de guerra,

as galerias se dilatam para a gordura das notas de rodapé –

comilança de fim-de-ano.

.

O Brasil é um estábulo de craques

da bolsa

das possibilidades:

cracrifica história em migalhas de interesses,

craqueia  as décadas do todo:

cada tempo que se vire.

.

Essa é a crônica das unificações:

condição de fórceps

do eterno

asterisco.

Quando fizerem um filme

Começará com o ônibus saindo do estádio:

a torcida acena e os jogadores têm close no rosto –

que pensam agora?

Terá cenas no vestiário:

o capitão grita e cada um percebe que a curva dramática chegou.

E a câmera  lenta seguirá cada lance de perto:

a cabeçada, o olho fechado

e o lábio mordido do cara que chuta.

Agora a torcida – anônima em milhar – grita:

o filme catarsa a nossa poesia.

.

Filme aberto:

cada um vê de um jeito.

 

Conca

Essa coisa:

argentino pacato

ensinando

pra brasileiro paquidérmico

que

nada

é

de concreto.

 

Gala

É kitsch o samba milimetrado

da carmem miranda licitação móveis de plástico.

Os troféus são bibelôs de prateleira

dados pra gente errada: vide juiz.

A noite ainda guarda cena especial:

o INSS distribui cheques pra comprar remédio

enquanto a câmera mostra colecionadores de carros de luxo

e/ou esbanjadores de ração de cachorro.

Gay

Se houver vigor, não há fogueira

(e, se mais forte vigor, menos queimam-me):

explicação para as regras de exagero e extrapolação.

.

E quando berram-me, posso ouvir parcelado:

o começo vocativo me acende,

o final adjetivo me desmonta.

.

Mas Jesus não foi unanimidade:

jogando cabeludo entre os apóstolos,

era bicha pra fariseus.

.

Fariseus organizados:

bandeiras de pedra,

hinos

e pregos de várias polegadas

pregando

a liberdade

numa cruz imensa

que atravanca a porta

das suas cabeças

de papel.

Mala

Tem uma história de família:

meu tio cagou na malinha de escola da minha mãe –

aperto de criança, na cidade preto e branco da mala de fotos.

.

Tem a mala de grana:

aperto de sujeira em dia de domingo –

como se a merda com dinheiro

fosse menos merda.

.

Gary Lineker cagando no campo

é só um vídeo estranho em copa velha.

.

Te empresto a mala, Gary:

caga nela que é melhor.

Lições

O Barcelona chamou Cristiano Ronaldo e

uns moleques da rua,

disse bota uma camisa branca – todo mundo tem –

e ensinou o que é jogar bola.

.

Aprender é difícil, Sérgio Ramos.

Custa cair de cinco e calar:

apelão.

.

Aprender é difícil, juízes.

Saber a hora certa de sair da câmera,

não se esconder dela.

.

Aprender é assim, Brasil.

Duas morais

Duas morais em campo:

homem demais para fingir que entrega,

mas cão bastante para fingir de morto

ou rolar no chão de contusão

ou acumular sacos de ração

num banco suíço.

.

Duas morais no microfone:

os complôs são fáceis –

dão pra quem pisca

(ou não: são a desculpa

de homem sério

pra quem ficou sentado no baile).

.

Duas morais no texto:

imorais são os outros (se palhaços) –

nessa terra

é cultural

o que parece errado.

 

Entregar

Tingem de papel pardo o pacote

que lacra o saco de moedas

do jogo-judas vendido no reservado dos dirigentes.

Fingem de groselha a gasolina

que bebe o goleiro

do joão-bobo no gol escancarado dos entregantes.

.

Delírio.

Não há nesse país de meu deus

um só grão de real

pingando da represa

que molha as mãos

(as notas de dinheiro

dadas em auxílio-campeonato

são pra secar as mãos, limpas).

.

E o torcedor diz: entrega.

Sem grana, nem cartão:

como se a prostituta do filme

se apaixonasse

e fizesse de prazer a mais-valia.

.

Estranho dilema moral:

em terra de barro

medo de sujar barra de calça –

antes a crença

de que o barro é de água mineral,

negando o escarro divino

que fez de cuspe a terra

que somos?

Cemitério de árbitros

E os juízes saíam de camburão,

ouvindo fariseu!

e carteira de trabalho de puta

filiação nome de guerra da mãe,

que um dia acostumou de gel o cabelo do menino

e criou a norma com mão de ferrolho.

.

Mas o ferrolho fechava o cofre

por pouco mais que alguns pacotes de ração:

muito mais que você que xinga no sofá

ou apura o cuspe no estádio,

mas muito menos que os galos de rinha

que tutela.

.

Imagino a cena: Fulano de Tal, de Sei-lá-onde do oeste,

gerente de loja de tinta,

apita o duelo de Rockfeler e Bill Gates,

vendo dos portões de ferro

a festa que não vai entrar:

ou vai, mas como garçom de graça

(com direito a um copo de camisa autografada

e uma porção de rosto na TV e terno alugado).

.

O  juiz se aposenta.

Futebol não é sério, rapaz.

Paga xerox infinito pra uns

e carimba moedas nas mãos de outros.

Pelé

Pelé tem isso de Shakespeare:

a jogada contra Uruguai em 70

é ser ou não ser.

.

Pelé tem isso de crença:

não o vi

mas acredito em sua existência,

como se houvesse algo superior.

.

Pelé tem tudo de poesia:

a certeza

de que o sublime

não se basta nestas palavras simples

de

um ainda garoto

(Pelé para o tempo)

deslumbrado

com a foto

do coração na camisa.

concreto/isopor

São concretos os poemas que pedem

nas caixas de busca que desaguam nesse blog:

“poema concreto sobre futebol”.

.

Agonizo a palavra,

alvejada pela atoice de escrever poemas

em tempo de palavras de isopor

(pedem poemas de concreto).

.

Hoje,

Eduardo da Silva fez um gol contra o Arsenal

e foi aplaudido.

Robinho entrou contra o Real

e foi vaiado.

Palavra-não palavra

É que  a poesia traz a crise em sua sacola,

e pensamos que  a palavra não

tem a força do tijolo:

ou melhor

a palavra é forte,

mas pra construir deserto.

.

A boca cospe poeira

e o futebol

se resume ao pescoço doendo

no sofá de quarta-noite

.

A porta no muro é feita de muro: porta de não

Em país de não: manda quem pode, obedece quem tem juízo.

E assim, em sentença, o futebol

ganha a máscara do mesmo –

Desanimado com o rumo disso tudo.

.

Mas reli “o dia que virei santista”, do Torero…

Voltou, palavra.

.

Mas que coisa, poesia:

é espoleta ou dinamite

a tonelagem da tua ilusão?

Poesia e futebol

A poesia não para uma bala,

um meteoro

e nem um patético celular.

Se muito, deslumbra o eterno pelo tempo de um replay.

.

O futebol não reconstrói o despedaço,

nem conforta o buraco diário

que respirar causa.

Pior, britadeira a corrosão e abisma a segunda-feira.

.

E ainda insisto em tomá-los contra

isso que hoje

chamam

Brasil.

Contra a força, não

Um Técnico bebia água num rio,

quando um craque apareceu:

– “Você turva minha água de cheiro,

polui minha self-lândia

e por isso merece ser dizimado.”

Mas o Técnico respondeu:

– “Como posso turvar tua água,

se bebo depois de ti?

E além disso, sempre garanti que o rio corresse pro teu lado.

Se te conforta, inverto o rio pra teu gosto.”

.

Mas o craque voraz disse:

– “Te vi bebendo outro dia,

e gritava que eu não era Lobo!”

E o Técnico respondeu:

– “Mas como posso ter feito isso,

se estive do teu lado

quando esteve banguelo,

se te dei a mão quando te chamaram

pra matilha

e sorrimos juntos?”

Só que o craque retrucou:

– “Se não foi você foi outro.

Não percebe que meu olho não enxerga o que não é mim?

Acho feio até o que é espelho, porque não é de minha carne.”

.

Cada vez mais raivoso, babava o craque:

– “Não vê que sou o único Lobo

que não come comida de cachorro?

E leões, chacais e hienas

não ganham o que ganho,

nem são assediados por lobos de outro mar.

Portanto, Técnico, tenho o direito divino

de beber de tua água

comer de tua carne

e palitar o dente

com os jornais:

meu reino é de papel, pedra e tesoura.

E sai de meu caminho,

pois essa é tua condenatória:

bebe a água no meu rio

e por isso será cortado e jogado ao fogo.”

O Técnico ainda disse:

– “Fica com teu rio, rei.

Eu tenho água em casa.”

.

Mas nas fábulas refeitas,

do país das absurdidades,

o Lobo come tudo:

montanha

bom-senso

churrasco

(e dança de embalado,

sobre a pele da presa).

.

Contra a força

não há argumentos.

show biz

Manifesto pelo show biz!

.

Que se contrate um diretor de circo;

E que se invente o equilíbrio,

contra as quedas de teatro ruim;

E que se entorte mais as pernas

(demitam o gepeto de valise

que endireitou a perna-de-garrincha nacional);

E que esqueçam a criatividade-aplicativo

que simula nos “hospiciozinhos felizes” da vida

a loucura em três vias

que enlouqueceu os garotos-velhos

que jogam bola como se atendessem celular

na bolsa de valores;

E troquem o apito dos juízes por cornetas,

já que soam como palhaços doidos

correndo atrás de galinhas;

E refaçam os uniformes

de quartel: fardamento de jornalzinho de bairro

(com apoio da padaria, do açougue, do vereador, da cabeleireira,

da farmacêutica, da multinacional, de tudo, do Chico Barrigudo);

E lembrem que ganha quem faz mais gols,

não quem pede mais cartões.

.

Se indústria cultural, pode ser mais Beatles?

Aceito até Spielberg, se mais Indiana Jones.

Musical de Broadway bunda-mole

valeria mais que pecinha de grupo de jovens,

tentando argumentar contra a sexualidade do gol

e instituindo a abstinência do se jogar na área.

.

Menos Paris Hilton,

fazendo a Barbie reclamar pras amigas:

“No nosso tempo tinha menos plástico”.

.

Taí:

menos plástico

já ajuda.

déjà vu

neymar não é estranhamento:

cada passo coreografado

de seu individualismo

é temperado de hojidade.

.

cada adolescente individualista

com seu mp3 tocando no ônibus

é uma versão comida de cachorro

do chamado “indomável”.

.

sua indocilidade é quando contrariado,

coisa de ser mimado:

com tanto dinheiro

a bola não será minha?

.

e onde gênio?

a graça acabou:

o CD da moda

encalhado,

vendido a 1,99

numa banca no mercado.

.

não enxergo rebeldia:

antes um carinha chato

que passa o pé em cima da bola

passa o pé em cima da bola

passa o pé em cima da bola

e

eu rio

e vou fazer coisa melhor

Champions

Como se desapertássemos o pause

do futebol-arte:

agora sim, poesia.

.

E de primeira uma sentença:

se tivesse Messi,

a Espanha seria Bicampeã

numa Copa só.

.

E se não bastasse a bola,

os árbitros vestiam branco.

Açougue ou medicina,

trégua ou ritual?

.

Vem, Champions.

Facilita futebol.

Não indo: os juízes

Dizemos mal-remunerado:

de repente com o dinheiro da ração

não compram nem os biscoitos.

Mais uma contradição:

regular a brincadeira nas casa dos outros.

Como se fosse porteiro, cuidando do filho do morador,

enquanto o seu fica na rua.

.

São a regra que nasce e já se joga na área,

simulando que alguém acredita nela.

É que colocam ordem no já ordenado,

apitam trânsito na Fórmula 1.

.

Seus poderes se esgotam quando

sua voz alta é alterada pela do capitão:

não, professor, não foi falta –

imagine o ladrão martelando o juiz.

.

Erram, como se erram pênaltis, laterais e palpites.

Mas seu erro pesa em ouro (latão banhado, melhor dizendo).

Erram, como se pudessem reverter as lógicas:

a perna que não toca e derruba

a mão que não toca e espalma

o medo de ser um contra mils.

.

E ainda são ridículos até o reverbero

do programa esportivo:

a câmera apita melhor que ele.

.

E não adianta magoado

sonhar vingança enquanto banho:

a câmera acertando no ângulo

a falta

que o jogador bateu

pra fora

do estádio.

Brasil

Não importa que cimentem as paredes com dinheiro sujo,

Se as paredes fecham nosso quintalzinho.

Quando todo mundo está sujo,

é o limpo que sente vergonha.

.

E não importa que sejam milionários:

com muito menos que 11 mil reais por mês

podemos comer nossa ração de cachorro magro

ou pagar um cachorro quente pro menino,

que vê e tem vontade.

.

Nem importa agarrar a coerência,

quando a coerência muda como o tempo:

hoje tá chovendo,

mas com guarda-chuva a idéia sobre a chuva

é outra.

.

Não importa se as críticas são mancas

contanto que a muleta esteja na nossa mão,

nem que sejamos manetas,

se as cordas pra amarrar as muletas estão com nossos amigos,

nem que não tenhamos amigos,

se possamos alugá-los na esquina,

nem que não tenhamos esquinas,

porque podemos fazer ponto nas retas,

nem que não tenhamos pontos,

pois aqui é tudo um puteiro só:

em nome de vai saber qual Deus,

ou editor-chefe

ou amigo

ou muleta

ou craque

ou técnico

ou estádio.

.

Nada importa

quando sou brasileiro

e …………………………..

(complete com a bobagem que quiser)

Decadência

Pensamos reta, não adianta ciclo:

as estações não passam

de times que seguram a liderança

até perderem as folhas.

.

E no fim da reta há caçambas

que recolhem o osso duro do que foi:

a mão já não agarra,

a estratégia já não assusta,

a perna já não perna: sofá.

.

Restam os nomes, chicletes acabando no fundo da boca.

O sabor já foi, sobra um resquício:

mais memória que gosto.

.

No campo mítico do tempo,

ampulhetando no alambrado

está a morte:

caem os times,

os goleiros,

os meias,

o técnico.

Corinthians

Não sou corintiano.

Juro pros meus amigos, que de tochas na mão

esperam o fim desse poema.

E mostro, se preciso for, a filiação

ao anti-corintianismo…

.

Mas hoje, com perdão da palavra, sou poeta.

E só posso pensar nessa poesia dos cem.

Lembrar de quando deslizava de Neto nos joelhos,

gritava ato falho Ronaaaldo no gol!!!!,

ou de quando,

no auge da perda da virgindade política,

pensei em ser corintiano,

só pra estar mais perto do povo

(risos).

.

É que nossas paixões de futebol se fazem nos espelhos:

assim como Batman precisa do Coringa.

E nosso coringa faz aniversário,

inimigo de infância:

briga briga

e depois tão aí

juntos.

.

A verdade é

que sem Corinthians

não haveria

poesia.

Arena

A primeira metáfora é a dos leões,

mas seria punir de gente o que é só instinto

(além do que os leões eram máquinas, não operadores).

Vamos à segunda: cristãos.

Mas o erro: seria ver de inocente

quem opera a máquina, da metáfora anterior.

.

Veremos arena sem expectativa de figura de linguagem:

sobra apenas gente canalha, querendo levar grana.

.

E as outros canalhas, que não levam a grana, protestam de mentira:

“a cidade, meu Deus, a pobre cidade…” –

teatrinho bobo de quem não engana mais nem a própria mãe.

.

A cidade, meu Deus, a pobre cidade

que se dane!

E o tempo ainda vai trazer a vez

que o que agora é maracutaia

vai virar competição:

meu estádio é maior que o seu…

meu estádio desviou mais dinheiro que o seu…

meu estádio é mais difícil de chegar que o seu…

.

A copa do mundo é nossa:

com brasileiro

não há quem possa.

Muricy

Quando eu pensava que ele era cadeado,

errei: era portão.

Fechando a teoria caduca do futebol

de charutos e scotch,

que ganha, mas cansa.

.

Ele me parece permeável ao novo,

que entende o vento da mudança

(ah, vento da mudança…),

que não barra, apesar de ferro.

.

Se São Paulo estagnou,

não era só ele

que travava a tramela:

quem vira a chave

ocupa a culpa

mais que a chave em si.

.

E agora oposto:

ele escancara o contraataque

e poetifica a rapidez.

.

Não será isso a negação da fila de caminhões

carregados de taças

que fundiram o motor no meio da avenida

só porque os donos

não verificaram a água do radiador?

Arrogantes

O torcedor reclama pros dirigentes:

mas estes veem apenas

um bando de crianças reclamando de nada,

na hora sagrada do Jornal Nacional.

.

Os dirigentes não sabem a derrota,

senão com balancetes.

.

Não conhecem a humilhação,

a não ser em suas urnas

(pequenas como caixas de lenço, travadas como diários de adolescente).

.

Não dormem com medo do amanhã cedo na firma,

já que suas firmas são os times:

fábricas de sonhos que dirigem com desprezo e arrogância.

.

O torcedor aguenta,

em nome de um amor – ou sei lá – estranho:

ama-se o abstrato,

mas o pai da amada é concreto.

Como uma parede é.

Inter

Me chamava Jardel aos 13, subindo pra cabecear na área de asfalto

do gol feito de poste e árvore ou quando empurrava a bola fácil no gol de tijolinho comum quebrado no meio.

Convencia meus amigos que éramos, eu e ele, craques. Meu irmão era

pequeno e seguia minhas gritarias e torcia pelo Grêmio de Jardel (e Jardel era cruel).

Jogávamos video-game e ele queria ser Grêmio

e eu azucrinava no Gre-Nal, sendo eu Inter e gritando “Um mar vermelho no Beira-Rio!”

e ele jogava o controle na cabeceira da cama e saía chorando.

Mas as coisas andam e comecei a ver as coisas, pensando mas o Grêmio tem essa coisa de racismo

e o Inter é comunista, mas será, tem uns caras que estragam, mas uma coisa é uma coisa…

e pensava o que seria se fosse gaúcho, pra quem torceria, como ia fazer.

Fui em Porto Alegre outro dia. Amei a cidade e voltou a dicotomia: o que eu serei quando vier pra cá.

Passei no Beira-Rio e fiquei assim, por fora é meio, mas olhava no mapinha do ônibus

e esperava que na próxima rua fosse o Olímpico, e ele chegou, mas de longe, é eu seria, mas seria Inter.

Não tem dialética, disse Roberto Piva. As coisas não se conciliam, estão em conflito.

Mesmo que eu escapasse de Grêmio e tivesse uma casa escondida no Inter,

se usasse um disfarce de bigode e nariz de plástico,

se amasse duas mulheres ao mesmo tempo (amar mesmo, não ir de uma pra outra)

o que faria? como vou fazer? se gostei das ruas

e comi um lanche da Borges de Medeiros

e gostei das coisas

como serei daqui se Inter e Grêmio?

Mas vem então esse ano.

E o Inter me arrepia, me revira…

Talvez o vermelho?

Mas é foda, as coisas não são assim:

seria melhor se Yin e Yang.

Nunca vou deixar essa condição de turista, estrangeiro.

Escolher é me dar ao luxo de teorizar uma condição:

conversão, não nascença,

filosofia de vida, não religião,

implante, não corpo.

Gostei das ruas de Porto Alegre,

e seria seu flâner.

Mas um estrangeiro, passageiro de algum trem

que não passa por aqui.

Um Mersault que escolhe o que não se escolhe.

Tudo isso, pra dizer que

Entressafra

Na secura da semana,

a palavra sai escrita errada e fica:

nenhum recall pra palavriado

foi anunciado na imprensa especializada

em poemas de futebol.

.

Fiquei sabendo que Rogério Ceni xingou Dagoberto,

que Neymar faz as contas,

que o Chivas se acostuma com o frio de Porto Alegre,

que aqui e ali

nada aconteceu.

.

Me aconselharam de maneirar,

pra não cair na banalidade do episódio

que usa cenas de outros episódios:

mal de blog.

.

Nas entressafras,

poesia vende em conserva.

Economia

Dizemos espera e vende depois.

Assim, mais dinheiro vem.

O erro é pensar pequeno:

vender duas vezes paga mais.

.

Se de palavriado não poesia, tento número:

digamos não a 35 agora, achando que uns 50 depois;

mas o acontecido prova de 35 agora e 70 depois;

conta fácil: 50 na hipótese 1 vs. 105 na certeza 2.

.

Nós que gastamos em ração o troco contado do ingresso,

reclamamos do frio

que estará amanhã cedo.

Desculpas

Por volta das 10:39, apaguei um poema:

mais ranzinza que costume.

Queria dizer que o Inter tinha uma beleza diferente

da do Santos, por exemplo (que comparei à Megan Fox).

E até fiz um lancezinho pseudo-concretista:

uma ————————————-

onde você punha o nome da beleza que achava parecida com o Inter

(e isso explicava, com um parênteses embaixo).

.

Mas não era isso.

De cara, queria comparar Bolívar a Bolívar:

mas chegaram antes.

Na luta dos figurinistas da linguagem,

as metáforas óbvias não nascem depois das 10 da manhã.

.

Precisava de um poema que desse conta

do deslumbramento que o Inter me dá.

Essa coisa segura,

meio de quem pega a chuteira,

põe numa sacolinha,

vai pro campo,

ganha e

embrulha a chuteira de volta.

Mas não é isso.

.

E isso me traz a essa metalinguagem.

A escrita de um poema sobre esse poema.

Podia sair daí a metáfora chave que todo poema

do E também futebol necessita.

Mas esse recurso barato,

de dizer dizendo

enquanto diz que não dirá:

é pouco pro Inter

(e uso ainda os dois pontos: exigência do patrocinador).

.

Por fim, Inter, me desculpa.

Volta nos poemas da Copa.

E lembra que eu já tinha descoberto

que tem hora

que a beleza é tanta

que é melhor ficar quieto.

Botão

O Brasil jogou com a numeração de jogo de botão:

1

2-3-4-6

5-8-10

7-9-11

.

E assim parece mais o que é

o futebol

que a gente brincava.

.

Por isso, pergunto

(como se  fosse menino de novo):

E aí, agora vai pro gol?

Substitutos

Me cimento no dia sem graça da vida em aporia

e não ouso substituir a colocação pronominal errada.

Substituem deus pelo futebol

e o futebol, por sua vez, pela seriedade.

A seriedade, substituem pela oportunidade,

e o arrependimento substituem por deus.

Substituem o técnico no futebol,

e deus na igreja em falência:

concordata de dogmas,

e a idéia de revolver a terra pra areá-la.

Substitui-se Marlos e Dagoberto e a arte continua em aporia.

Procuramos um Neymar que substitua um Robinho

que substitua talvez um Pelé,

ao menos no faturamento da venda de santinhos.

Substituímos a palavra capitalismo

pela idéia de desigualdade,

porque assim, talvez, façamos com que

os barbudos da faculdade estejam errados.

Substituem os barbudos da cracolândia por educação,

mas não sabem que os alunos são ensinados a odiar

os barbudos,

tudo porque lhes inculcaram que um tal barbudo na cruz

proibiu tudo, como bater punheta, ler e tocar a bola

quando jogam.

E se acho que tudo isso substitui uma postagem sobre a rodada,

me engano: essa aporia de ser cimentado em frente ao computador

nem de perto é o caso do Law and Order que acabei de assistir.

Que por sua vez, substitui a realidade.

Eu que nasci assim: apórico, cruyffiano, poeteiro –

não me substituo,

nem me completo:

apenas termino esse poema

que substitui alguma coisa

que nem sei.

Mata-mata

Vou afastar a idéia de épico:

é o trágico do oráculo

dizendo “não espera o jogo de casa”

que faz o mata-mata.

.

Pode haver o gol na hora certa,

o coro pode empurrar:

mas há essa impossibilidade

de reverter a covardia –

como se fosse proibido

alugar fantasia de herói

pra usar na calmaria de uma Quarta de cinzas.

.

A catarse é um jogo de 180 minutos.

.

Nesse palco trágico,

detrás das cortinas,

morrem ensanguentadas as esperanças

vãs

de uma bola cruzada

no final do jogo

ser solução.

Santos.

Eles reverteram vários disjuntores emperrados do futebol brasileiro:

pegaram o placar cravado em goleada 1 a 0

e grafitaram com malícia

um 1 de spray na frente:

11, naquilo que já era de ferrugem.

.

Depois, lançaram modas

(mas não cabelo ou dancinha – lugar comum sazonal):

a tendência 70’s na pista do meio-campo,

a fome de rodízio no ataque.

.

E, se não bastasse

terem apresentado um novo modelo astronômico

pro nosso futebol ptolomaico,

ainda trouxeram uma contradição de psicologia (barata):

como posso odiar

o objeto que desejo?

Twitter

Nesse conto mal escrito

de fados mesquinhos,

em 140 patadas (com os espaços),

aprendemos nossa lição:

os cachorros comem

em ração

nosso salário.

Racisma, mas não cospe

Veja:

6 jogos = uma cusparada

5 jogos = ser racista

.

Pronto, racistas.

Está feita a equação (apesar de noticiada bem pequena nos jornais):

Racisma, mas não cospe.

……………………………………………………………………………………………………………………………………………………..

NOTA:

Este poema ficou guardado, nos rascunhos.

Na época, acabou passando a discussão e deixei, já que tinha abordado o tema em outro texto.

Hoje, ele – infelizmente – é publicado:

com um erro de matemática jurídica…

Locura

Discordo da locura de Neymar.

Não porque havia – e isso pedia outro poema – Lee.

Nem porque arrogância e ímã no campo magnético da câmera.

É que acho uma locura pré-cozida:

moleque que fica andando de moto no condomínio

e diz pro segurança meu pai paga teu salário.

.

Digo, o Santos sempre soube que já é campeão.

Se não 6 ou 8, 2 agora e o resto depois.

O pênalti foi de um jogo ganho, mesmo quando 1 a 0.

.

Concordo que seria diferente se ele fizesse.

Mas isso é pra imprensa dualista

que precisa de mortadela pra não comer pão seco nos noticiários.

.

Dizer ele ruim é erro, por isso digo craque.

Mas Loco é diferente.

Loco é outra coisa.

É quando a coisa é Copa e épica:

não Portugal e Coréia.

.

É claro que eu posso queimar a língua,

risco nesse brigadeiro quente, coisa de apressado na panela:

o Vitória pode ser campeão e

Neymar (se tivermos saco pra guardar essa mágoa até lá)

pode um dia bater esse pênalti na final da Copa,

na última cobrança de pênalti de um jogo fantástico.

Não me importo: essa linha que afasta um poema

de uma capa de jornal.

.

Não adianta colocar um adesivo de motoboy

na janela do Volvo:

o imprevisivel dos locos

é meter uma bica de zagueiro

quando se espera bicicleta.

Não indo: os ingressos

Se me cobram de rock, exijo algo mais

que a banda cover do meu vizinho.

E tem mais: como não metrô, preciso carro: guardado: de 20 a 70.

E tem mais: se chuva, inundação: pagando pra sentar no cimento fresco: e cuspe.

E tem banheiro, galocha na urina, fila na bica que escorre da mina do cano.

E tem revista: se chave ou pé-de-cabra, menos terrorismo que cantar de assassino.

.

Disseram que era espetáculo: mas quem garante a sinopse do técnico retranca?

Como ir de crítica véspera, quando depende do bandeira a qualidade do replay?

.

E quando estrangeiro da cidade?

A explicação é clara:

o video-game estraga a televisão,

o micro-ondas dá câncer na pipoca,

o livro vai acabar,

a idéia de que o sol é o centro do universo é absurda

e a Internet é coisa do (pigarro) diabo.

.

Nosso dinheiro não alimenta os jogadores:

apenas paga água (3,00)

luz e telefone.

.

Renda: muitos, muitos, muitos lanches de pernil

(mas nenhum Ronaldo).

Público: um monte de a gente paga porque esse negócio é fantástico…

(eles sabem).

A várzea

Começo injusto:

o termo várzea sendo gíria errada

pra descrever o que é feiura.

Mesmo assim, erro: Santos e São Paulo = várzea.

.

Sem aquela beleza da carniça (minha amada, essa carcaça…).

Carcaça, sem beleza nem sopa de osso: futebol feio.

Carcaça, só com o que é de veneno, matando a tarde em

dois pagamentos de 46 e 48 minutos, respectivamente.

.

O Santos tem sido o pintor pretensioso

que faz uma composição de quadrados clichê,

pra ser empurrado pelo amigo decorador

prum casal impressionado.

Ganso desmente seu Cancioneiro

e o time faz greve de fome,

agora que já porco saciado.

.

O São Paulo joga como se

o professor de educação física novo mandasse todo

mundo fazer aula:

os que odeiam futebol, de braços cruzados,

furando a bola que o gente boa da turma passou

(pra diminuir a humilhação).

Difícil é achar, entre a pasmaceira, o tal gente boa.

.

No termo várzea,

a única Europa é o bar da esquina,

e a vida é tão chata, que jogar bola

não é o fardo

tão pesado

que carregam os

pobre coitados

do San-são.

Não indo: a CBF

A CBF é como uma secretaria de educação:

aluga suas escolas para a primeira teoria

que parece negar a anterior.

Assim: se tem raspa de show-fracasso no pote,

vence com 1 a o.

Depois: se deu certo assim, mantém de zagalo.

E mais: se não funcionou, diz ao povo que felipão e brioches.

Ainda: volta ao que um 94 funcionou.

E quase: se falhou é porque pouco pulso – chamem a Marcha da Família com Deus.

Agora: volta-se ao que o povo pede…

.

O que não funciona nessa comparação é o ciclo:

se as secretarias mudam pra mudar o anterior,

quando é o anterior na CBF?

.

Rasguem os livros,

mudem as lousas,

troquem uniforme,

renomeiem as escolas,

pintem, se preciso, o cabelo dos alunos:

mas apaguem o traço de inimigo

que ficou de giz

no jeito de escola.

.

Se não Dunga, Muricy.

Se não Muricy, Leonardo.

Mano, Obama, Mussum,

Obina, Eto, Polvo, eu,

Larissa, Carbonero,

você, tudo, até o Chico Barrigudo:

se ainda CBF, não importa quem aparece

com seu nome laranja

no infográfico do jornal.

Não indo: os técnicos

Apesar do elenco,

os técnicos não são diretores:

seus filmes se baseiam só

na hora certa de virar a câmera.

Não colocam suas idéias,

nem escrevem seus manifestos.

Se uma bola na área der certo, tá ótimo.

.

No máximo, são diretores de sequência,

contratados pra iludir o público

no Anaconda 2.

Escalam quem o estúdio pode pagar e

assinam o formulário.

.

Poucos foram Hitchcock

ou Kubrick.

Não há um só Coen

ou Paul Thomas Anderson

de boné e agasalho

sendo instruído pelo 4° árbitro.

.

São especializados em juntar o grupo,

como se duas vedetes (cheias de celulite) brigassem pelo cartaz do filme.

São pagos por cena, isso quando não são corta! antes do ação!

São muitas vezes apenas ex-atores, que compraram megafones em promoção na papelaria.

.

Queria ver mais cinema no futebol.

Um louco que tivesse seu nome na capa do jogo:

esse x outro, de Fulano de Tal.

Não indo: os dirigentes

Onde se lê dirige, é melhor pensarmos proprietificam.

E o cargo carrega já o estranhamento:

são prefeitos de uma cidade privada,

questionados como cuidadores de uma empresa, tão-somente.

Porque se há no futebol patrimônio imaterial,

é só o da torcida.

São babás de carros-fortes, portanto.

.

Políticos de liberdade incondicional:

afinal, futebol e política não se questiona –

e no mais, questionar como: nem sócio de piscina sou,

quem dirá de impeachment.

.

E as escolhas orçamentárias da prefeitura nem me afetam

(e contra o que é demora ou lotação não tenho força imediata),

nem me humilha a cor de uma viatura ou a contratação de um assistente administrativo II.

Mas o prefeito-privado do meu time

me traz a dor incomunsurável de ter no time

semelhante pé-torto

ou de ter que aguentar gozação por causa desse fulano de técnico

ou de amargar a crise política de uma fila sem títulos.

A prefeitura pública acontece,

a prefeitura futebolística desmonta.

.

Os dirigentes são reis que cercam nossa alegria.

São piratas que, de acordo com o estatuto do clube,

estupram nossa visão fundamental do que é futebol

e saqueiam nossa capacidade de acreditar que

aquilo que chamamos de poesia

não passa de uma série de acordos fajutos,

assinados numa churrascaria cara,

por dois ou mais sapos gordos

que, auto-intutulados diretoria,

destróem o que é amor pra mim.

.

Seria lindo um time auto-gestão.

Que decidisse suas certezas em plebiscitos de milhar:

os que concordam que gritem gol!

Um time sem donos pra prender no canil o cachorro bobo que a gente

se acostuma a ver quando volta pra casa

(e perde quartas à noite com isso).

Um time-comunidade, onde quem joga e quem sofre

pode dizer sim e não,

sem ter o dente cheio de fiapos de poder

e a boca lambuzada de euros.

Não indo: os jogadores

Quando pequenos, não tocam a bola.

Jogam com calções largos e são vistos mais como caixas de dinheiro que meninos.

Seus pais dizem promessa, seus donos dizem europa, seus amigos dizem inveja.

.

Na engorda, viram Pelés e Zidanes – antes do treino.

Ou – caso mais farto – laterais fortes e disciplinados

que tentam bater embaixo da bola e dar um chapéu,

mas perdem e precisam agarrar pra parar a jogada.

.

O professor promete lonjura, se boletim.

E outro professor promete boletim, se mínimo.

E a escola faz sua parte no processo agro-pecuniário:

assina o habeas corpus da falência futura – se assassino ou perneta/

assina o habeas corpus do sucesso explicado – se pastor ou técnico de seleção.

.

É porque dissemos aos jogadores suas regras:

– se são Deus, é porque deus assinou autorização do uso de cópia de sua imagem.

– se são craques, é porque todos os outros do mundo não passam de cones no caminho.

– se são astros, é porque não há nada mais que ilumine a humanidade.

– se são homens, é porque carregam uma virilidade a mais no peso da camisa.

.

E, cá entre nós, temos a sorte de nascer nessa terra

que, mentindo, tudo dá.

Celeiro de craques, craque belt, cracolândia.

Nunca haverá aqui, nunca, alguém que comprou out-door antes de saber bater lateral.

.

Nas escolinhas de futebol,

os garotos esperam o dia em que serão famosos

garotos eternos

na terra do nunca da bola,

onde os Capitães Gancho

que abusam dos garotos

não se chamam Michael Jackson.

Não vai…

Nem no Cartola a coisa anda.

Você escolhe o cara que joga mal,

escala a palavra que não funciona

e apaga o poema que escrevia.

.

Começa a ver o jogo e desiste de ler

no meio do caminho,

como se tudo fosse mal escrito,

algo pra cumprir a tabela

ferrenha do agradar o escritor.

.

Depois, até tenta ver algo na TV,

mas no meio da discussão vazia

tem coisa melhor:

abandonar a série no previous channel

pra saber do Belletti?

.

Esse campeonato que não vai…

.

Me culpe: mas o gosto da Copa ainda tá na boca.

Outras poesias

Saio da poesia de um dia sem nada que poesie,

e cito duas outras poesias

(das várias emoções que o futebol gera):

.

Para um 16 de julho: Barbosa, de Ana Luiza Azevedo e Jorge Furtado.

.

Para Iniesta: Espiritu Santo, da banda Delafé y Las Flores Azules.

Duas versões: clipe ou La Blogotheque.

Nossas copas

Seríamos uma camiseta verde-amarela-surrada

achada na naftalina da memória da casa da mãe?

Ou velhas tabelinhas, de farmácias que fecharam e candidatos que morreram,

rabiscadas com letra de criança desatenta que marcou errado o resultado do jogo

e voltou atrás sem cuidado, com a borracha eterna da caneta borrando?

Seríamos a bola detonada pelo cachorro,

ainda conservando o gomo apagado com a bandeira da Escócia?

Ou o cabo cinza plástico da bandeira fina

que acabou servindo de gambiarra

num conserto esquecido do que era pra amanhã sem falta?

.

Nossas copas na memória:

de Pelés a Felipes Melos,

onde tudo é lembrança: se Baggio ou Paolo Rossi.

Mas também outras memórias,

como o cabelo de Cannigia ventando naquela festa junina da escola

como a foto com o bebê no colo (as copas passam e trazem barba ao bebê)

como o carro com adesivos que você trocou em 87

como a rua derretendo com a chuva de janeiro o que foi julho do ano passado

como o gol marcado na rua, emulando um Lato, um Suker, um Schillaci da vida.

.

Nossas copas,

lembrando que a foto que está ao lado da HD-TV de hoje

um dia brigou com toda a família e nem viu o jogo

porque dizia que o problema era na antena e ninguém acreditou

aquela velha TV de válvula que demorava pra esquentar

e hoje é morte e memória.

.

Nossas copas:

a garota com sua corneta desafinada

(supostamente era pra estarmos do mesmo lado, pensava a vizinhança-enxaqueca)

torcia com seu pai.

Quais títulos se ganhava naquela sala?

Muito mais que seu técnico-herói em campo

(talvez fosse o herói de seu time…):

jogavam esse eterno que chamamos memória.

.

Nossas copas:

o cara que pela primeira vez

esteve sem ninguém pra torcer ao seu lado,

na casa adulterada pelo absurdo,

invadida pelo pra sempre.

.

Nossas copas:

a primeira vez que ouvimos um palavrão da boca dela.

a primeira vez que jurei.

.

A memória coletiva constrói as fotos de exposição

e os manuais das copas,

com números e verdades verdadeiras.

.

Nossas fotos não importam muito pros outros.

Mostramos e vemos, por educação.

É em nossos campos

que fazemos o espetáculo:

quando todos vão embora

e o estádio está apagado.

Quando olhamos pra tudo vazio-cheio

e isso vira

nossas Copas.

Telão

O telão foi o rio aéreo

que correu pelo fio da câmera aérea:

espelho-espírito que pairava sobre as vaidades.

Estranhamento: todos diferentes,

mas com nomes de narciso na lapela.

.

De todas as partes do mundo –

se gladiadores, se larissas,

se laranjas, se guerreiros,

se chineses, se verdade,

se atores ou fajutos,

todos

únicos

na uniformidade

do telão.

.

Operando a nova questão de Hamlet:

um desconhecido continua desconhecido, mesmo se TV,

mas é (re)conhecido dos 5 ou 6 que já o (re)conhecem.

.

Há outra função social que o telão cumpre:

dando consolo para os perdedores.

Aposenta a velha idéia de que “isso tudo não paga nossas contas,

é só um jogo, quem ganha são eles enquanto a gente fica sofrendo”,

e, mágico, devolve o sorriso no rosto

do chorão eliminado.

.

O telão nos mostra

mais importantes que a bola.

Como se tivéssemos sido feitos de um novo material,

que não deforma quando chute,

e pode ser agarrado por qualquer goleiro,

em qualquer lugar do mundo

(e depois, esquecido

numa sacola de nem lembro).